domingo, 30 de dezembro de 2012

Do Cacique Seattle a Carls Sagan



2012 se encerra. Quis deixar uma última postagem aqui no meu humilde “blog do Caronte”. E depois de pouco pensar resolvi traduzir em palavras o que em 2012 se sedimentou em minhas convicções.
Em 2012, como sempre, continuei olhando pro céu e pensando no pálido ponto azul que somos no cosmos. Embora ínfimo, é a nossa casa, assim aprendi com Carl Sagan. Aqui estão todos que amamos, odiamos, conhecemos e se nada mudar radicalmente é aqui que habitaremos por muitos e muitos anos. Aqui vivemos nossas alegrias e nossos sofrimentos, crenças e descrenças, congruências e incongruências, ideologias e doutrinas. Aqui somos heróis e covardes, criadores e destruidores, inventores e exploradores, aqui vivem os mestres da ética, os políticos corruptos, famosos e anônimos, tudo neste pequeno e improvável pálido ponto azul. Somos ínfimos na imensidão que nos cerca.
Em 2012 aprendi com o físico Marcelo Gleiser, que isso não diminuí o papel que temos no cosmos. Ao contrário, isso aumenta nossa responsabilidade, provavelmente somos únicos. Dádiva e maldição. Se a primazia da criação der errado, nossa unicidade nos fará sermos o maior fracasso do universo.
Em 2012 continuei olhando para o passado na esperança de não cometer os mesmos esdrúxulos erros no futuro. Olhei o mar de sangue derramado durante a Segunda Guerra e mais ainda no absurdo da matança da era da Escravidão declarada. Pensei nas crueldades sem fim infligidas pelo ódio desenfreado, pela intolerância inexplicável. Mas o pior é ver no dia a dia estas mesmas ignóbeis atitudes acontecendo. A religião A que se acha superior e mais detentora de direitos que a B e C. Nunca aprenderemos a não cometer velhos erros? Por quanto tempo as incompreensões? Por quanto tempo seremos desejosos de aniquilar o outro? Por quanto tempo mais durará nossos ódios? A escuridão que nos cerca no espaço é mais salpicada de pontos de luz do que nossas atitudes hodiernas.
Em 2012 li e reli Carl Sagan, de quem transcrevo um pequeno fragmento: “A Terra é o único mundo conhecido, até hoje, que alberga a vida. Não há mais algum, pelo menos no próximo futuro, para onde a nossa espécie possa emigrar. Visitar, pôde. Assentar-se, ainda não. Gostando ou não, por enquanto, a Terra é onde teremos de ficar. O que acentua a nossa responsabilidade para nos portar mais amavelmente uns para com os outros, e para protegermos e acarinharmos o pálido ponto azul, o único lar que tenhamos conhecido. O pálido ponto azul”.
Em 2012 li e reli a velha carta que o grande Cacique Seattle enviou ao presidente americano em 29 de outubro de 1887, esta carta vale ser relida em alguns trechos, especialmente em um ano em que assistimos, impassíveis, a dizimação dos índios Guarani-Kaiowá. Como nossos índios, o Cacique não podia vender suas terras e assim falava ao líder Americano: “Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal ideia nos é estranha. Se não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água, como então podes comprá-los?(...) Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo, cada folha reluzente de pinheiro, cada praia arenosa, cada véu de neblina na floresta escura, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo. (...) O homem branco esquece a sua terra natal, quando - depois de morto - vai vagar por entre as estrelas. (...) Se te vendermos a terra, terás de te lembrar que ela é sagrada e terás de ensinar a teus filhos que é sagrada e que cada reflexo espectral na água límpida dos lagos conta os eventos e as recordações da vida de meu povo. O rumorejar d'água é a voz do pai de meu pai. (...) Nossos modos diferem dos teus. A vista de tuas cidades causa tormento aos olhos do homem vermelho. Mas talvez isto seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que de nada entende. (...) Sou um selvagem e desconheço que possa ser de outro jeito. (...) Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante do que o bisão que (nós - os índios) matamos apenas para o sustento de nossa vida”.
Em 2012 ao reler este texto incrível do nobre indígena esta última parte é a que mais quero assimilar e deixar como legado aos meus: “O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Porque tudo quanto acontece aos animais, logo acontece ao homem. Tudo quanto acontece aos animais, logo acontece ao homem. Tudo está relacionado entre si. Deves ensinar a teus filhos que o chão debaixo de seus pés são as cinzas de nossos antepassados; para que tenham respeito ao país, conta a teus filhos que a riqueza da terra são as vidas da parentela nossa. Ensina a teus filhos o que temos ensinado aos nossos: que a terra é nossa mãe. Tudo quanto fere a terra - fere os filhos da terra. Se os homens cospem no chão, cospem sobre eles próprios. De uma coisa sabemos. A terra não pertence ao homem: é o homem que pertence à terra, disso temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará”.
Peço desculpas pelo longo texto, mas coisas desta importância carecem um pouco mais de prolixidade. E para finalizar e desejar um 2013 muito bom, deixo as últimas palavras do Cacique Seattle em sua carta. Bom ano de 2013 para todos.
“Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio, envenenando seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Nem o homem branco, cujo Deus com ele passeia e conversa como amigo para amigo, pode ser isento do destino comum. Poderíamos ser irmãos, apesar de tudo. Vamos ver, de uma coisa sabemos que o homem branco venha, talvez, um dia descobrir: nosso Deus é o mesmo Deus. (...) Os brancos também vão acabar; talvez mais cedo do que todas as outras raças. (...) Nunca esqueças de como era esta terra quando dela tomaste posse: E com toda a tua força o teu poder e todo o teu coração - conserva-a para teus filhos e ama-a como Deus nos ama a todos. De uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus(...) Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum.”

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Tardes de sol



A quentura do sol cora-me a face. Sinto o cheiro da água que lavava as roupas, sinto o calor materno naquela varanda sem telhados, com quital de terra batida e passarinhos cantando nas árvores. Engraçado como o tempo fez mal para minha família. O quintal era de terra, as paredes sem emboço. A dispensa não era tão farta, mas um cuidava do outro. Não parecíamos ter nenhuma necessidade de sermos mais ou melhor do que o outro ou de possuir mais e melhores bens. O que tínhamos, a vida que tínhamos era nossa, não de alguém. Havia o nós não o eu. Apenas a inocente consciência de sermos família.
A quentura não pode mais corar-me a face, pois o quintal está telhado, a pedrinha em que sentava para ver minha mãe lavando roupas escutando os programas vespertinos da rádio em AM foi soterrada pela construção da varanda, assim como tudo na nossa família foi sendo soterrado. Morreu a velha palmeira ecom ela, sepultados, encontram-se coisas tão caras a mimcomo apenas sermos irmãos, pais e filhos.
O carrinho velho foi trocado por carros novos, multiplos, do ano, zero, mas as almas envelheceram sem possibilidade de recall. Os valores, ideários, só ficam em intenções que nunca são cumpridas, em promessas de fim de ano de se fazer um novo e melhor ano. Mas de concreto há de que somos apenas ilhas, separadas por oceanos de coisas inventadas pelo egoísmo cru e revoltante do orgulho de querer ser mais e melhor do que o outro, a irmandade virou disputa, a paternidade virou mesquinharia. A maternidade sofre pelo fato de pouco poder fazer em contraste com a vontade, nunca satisfeita, de querer fazer tudo pelos seus.
Lembro-me da parte final da música “1965(Duas tribos)”: Quando querem transformar/Dignidade em doença/Quando querem transformar/Inteligência em traição/Quando querem transformar/Estupidez em recompensa/Quando querem transformar/Esperança em maldição:/É o bem contra o mal/E você de que lado está?/Estou do lado do bem”. Todos nos achamos do lado do bem. Mas não percebemos que na verdade todos estamos do mesmo lado. Não há: - Eu venci!! Ou será: - Nós vencemos!!!! Ou estaremos todos derrotados. Quando lembro-me do Branco e do Oberdan sinto-me derrotado e penso o que não fiz que pudesse ter evitado? Prossigo, afinal a vida deve prosseguir, mas num piscar deixamos de cuidar de coisas tão importantes, como a vida dos nossos.
Ainda sinto o calor do sol corando-me a face. A criança aqui dentro de mim todos os dias me lembra disso, causa-me as lágrimas que agora enxugo, mas me dão a esperança de que o adulto ainda poderá sentir esta quentura que a infância sentiu e ouvir: - Meu neto vem brincar, teu avô tem coisas para te ensinar! Esperança vã? Talvez, mas embora morra, ela é a última a se despedir daqui. Lembro-me do meu sogro que dizia-me: - Vai melhorar, vai melhorar!!!!

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Um caso de pontuação.

Ela, já crescida, foi levada ao médico por sua mãe. Norma zelosa, se preocupava com seu "predicadozinho" e dizia ao médico: - Doutor, quero que o senhor receite alguma coisa pra ela. Nessa idade o senhor sabe né. É encontrar um sujeito qualquer e pronto: embuxa! - Fique tranquila, disse o ginecologista. É só ela usar está vírgula e fica resguardada. A jovem predicado se revoltou. Como assim?! Eu sou Gramática Apostólica e não posso usar vírgula. Onde já se viu separar assim um sujeito do predicado. O médico insistia, dizendo que ela se utilizasse de um aposto. Havia em vários tipos e tamanhos, mas ressalvava: - Não use o especificativo, este não separa nada. A jovem saiu inconformada. Já era difícil achar um sujeito. As vezes apareciam uns compostos, mas ela não era tão moderna assim. De outras, alguns ocultos e muitos inexistentes. E havia casos em que era um pequeno "se" e pronto: tudo indeterminado. Certa vez achou um bofe lindíssimo, mas quando conheceu melhor logo percebeu: era agente da passiva. E sujeito paciente para uma predicada hétero era o fim. Já havia desistido, quando na aula de gramática conheceu um sujeito, aliás O sujeito. Simples. Determinado e que tinha um complemento que ela não sabia se era verbal, nominal, adverbial ou qualquer outra coisa que pudesse imaginar. Casaram e formaram uma linda oração coordenada. Ela recusava-se a subordinar-se a qualquer sujeito, ainda daquele que conjugava seu amor. Ainda não possuem nenhum termo integrante, mas como não utilizam vírgulas para separar um do outro, logo chegarão os integrantes, os acessórios e quem sabe vocativos e apostos. Só tempo dirá.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Deus prefere a frigideira.

Tenho uma paixão pelo essencial. Gosto do simples, do hodierno, das coisas mais comuns. Vez ou outra, até namoro o extravagante, mas é passageiro. É o cotidiano que realmente me atrai. E falo de coisas simples mesmo, como tomar café com a esposa, assistir ao futebol com as crianças, comer pipocas assistindo aos filmes. Como diz a música do excelente Biquíni Cavadão: “minha casa é meu reino”. Muitas das minhas lembranças de infância passam exatamente por este simples. Lembro-me bem – quando o quintal lá da casa de meus pais ainda era de terra e sequer havia a varanda dos fundos – de ficar sentado na porta da cozinha pegando sol, enquanto minha mãe lavava roupas e ouvia o rádio. Aliás, posso, ainda hoje, sentir a quentura do sol e refazer sem dificuldades àquela cena de quando eu não tinha mais do que uns cinco anos. E durante bom tempo refleti, buscando entender o porquê de uma cena tão comum, tão simples, não se perder entre tantas outras que há em minha memória. Acho que parte da resposta está em saber que a vida é feita principalmente de coisas assim, sem muito estardalhaço, pompa ou requintes. Até mesmo por um processo físico-químico, se retirarmos os excessos, o que sobra é o essencial. Almoço de natal. Família reunida; e como não pode faltar num dia desses: nhoque ao molho de galinha caipira à mesa. Prato essencial (lá ta o danado do adjetivo de novo) nesses almoços festivos de minha família (principalmente a do lado materno). Minhas reminiscências desta iguaria permitem-me saboreá-la sem, sequer, tê-la fisicamente à boca. Posso fechar os olhos e sentir o cheiro e o sabor. De alguma maneira muito louca, minha avó está no nhoque. Tornou-se sacramental o prato. Assim como os lenços que ela ensinou-me a usar, também a traz quando os uso. Este prato, aliás, foi alvo de uma longa reflexão. O que o torna interessante? São apenas batatas cozidas e amassadas, com molho de galinha caipira, nada mais simples. Mas lembra que eu, acima, falei que ele se tornou sacramental? Pois é, tornou-se mesmo. Vejamos o que este adjetivo oxítono de quatro sílabas significa. A palavra se origina de sacramento e grosso modo, refere-se a um ato religioso, algo instituído por Deus, para purificação e santificação da alma; um rito sensível e simbólico da religião cristã, destinado a consagrar diversas fases da vida dos fiéis. Opa! Então tenho certa razão em afirmar que o nhoque de minha avó é sacramental, é sacro. A família é algo instituído por Deus. E este prato, em minha família, se tornou parte do ritual em que comemoramos o natal (festa cristã). Logo, é sacramental. Mas a reflexão não pára ai. Repare nos ingredientes: batata e galinha caipira. Quer algo mais simples. Meus avós são originários de uma região de “roça”, de vida no campo. Pude concluir que eram materiais que tinham a mão, no quintal. E muitos dos pratos famosos que temos hoje, provavelmente surgiram assim, do simples, do hodierno. Depois, com a badalação e outros tantos fatores se tornaram requintados. Em alguns casos àquilo que era comum, fica raro e caro. Hoje, minha avó, sua pra conseguir achar galinhas caipiras para o prato. Afinal moramos na cidade, e em lares sem terra, se quintal, achar galinhas caipiras tornou-se difícil mesmo.. Outra lembrança que tenho é das torradas que minha mãe fazia na frigideira. Pra situar, minha família é: meu pai, minha mãe, eu e meus três irmãos; um mais velho e outros dois mais novos do que eu. Meu pai soldado da PM na época e minha mãe dona de casa. A vida não era nada fácil pra eles, principalmente pra minha mãe que era quem ficava com a agente e tinha que fazer mágicas para manter tudo em ordem. Dessas necessidades surgiam alimentos inusitados que se tornaram parte de mim, como: “Bolinhos de chuva”, “solas de sapato”, sorvetes feitos em formas de gelo, bolinhos fritos de arroz e as torradas feitas na frigideira. Lembro como se fosse hoje, o dia em que meu pai trouxe pra casa uma torradeira, dessas de desenhos animados em que as fatias de pão pulam quando prontas. Todos gostaram, menos eu. Chorava e reclamava. Eu gostava mesmo era das torradas feitas na frigideira. Embora nem houvesse experimentado as torradas da nova bugiganga que meu pai havia trazido, já as rejeitava. Depois acabei acostumando, mas nunca esqueci o fato. E passado muito tempo, continuei, sempre, pensando no que teria levado, o então menino, a não querer o utensílio e suas torradas. O simples de novo? Sim, mas não somente. Depois de muito ler, estudar, refletir e observar, acho que encontrei uma resposta que me explicasse por que a criança rejeitou a torradeira: Deus prefere frigideira a torradeira!! É. Pense comigo. A partilha do pão é sinal da presença de Deus em várias culturas, e principalmente na cristã. Lá em casa nada foi de faltar (no que tange ao essencial), mas também não sobrava. Como o maná do deserto, quase tudo era na medida certa. Com os pães lá em casa não era diferente. Onde entra a frigideira e a torradeira nesta história? Simples. Pensemos. O pão na frigideira era feito por minha mãe de uma vez só. Ela pegava os pães que haviam sobrado, fatiava-os, passava manteiga, que muitas vezes, ela mesmo fazia da gordura do leite, na época em que o leite ainda tinha gordura, e finalmente colocava as fatias na frigideira. Na torradeira não. As fatias vão aos pares. Primeiro fato: frigideira coletivo; torradeira individual. Não perca o raciocínio. É fácil de averiguar que com a torradeira, eu e meus irmãos podíamos, na hora em que desse fome, pegar o pão, colocar na bendita e sair comendo. Com a frigideira não era possível, era necessário que nossa mãe o fizesse e nos chamasse para comermos. Outro ponto pra frigideira, ela supõe a reunião das pessoas à mesa. E por último, na torradeira o processo é automatizado, na frigideira não. Na torradeira as torradas são mais ou menos padronizadas, nas frigideira, únicas. E o principal, na frigideira entrava um outro elemento, que torradeira alguma em tempo algum jamais terá: o carinho e amor da minha mãe. Máquina alguma seja lá quando for poderá substituir o carinho e o amor da minha mãe. Viu como a minha afirmação, que dá título ao texto, é verdade: Deus prefere frigideira a torradeira. Pois com ela e suas torradas, a família se reunia em torno à mesa; o pão era partilhado; a vida de criança era menos sofrida do que a vida de verdade era, as torradas e o amor de minha mãe nos protegiam. Fora, que como não havia sobras, com a torradeira, corria-se o risco de um comer mais do que os outros, o que não ocorria com a frigideira, já que todos estavam ali ao mesmo tempo e sob a tutela de minha mãe. Estou mais do que convencido que Deus é essência, que Deus é simples. Deus, como eu, ama o simples, o essencial. E meu coração de criança não se enganou com a novidade, sem saber, rejeitava, como Deus, a torradeira.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Conversa de botas batidas


Quando ouvi pela primeira vez a palavra vencedor, não sabia que a ouviria tantas vezes mais durante a minha vida. Esta palavra me saturou. Queria viver um dia, que fosse, onde não houvesse a necessidade de vencer. Nunca vi festa para derrotados. Ou como disse Pessoa: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada”. Eu há muito tempo me cansei de ter que ser um vencedor. Para mim (e ninguém precisa concordar) o que importa é fazer o melhor que posso, e se isto for o suficiente para vencer, ótimo. Caso contrário, vida que segue. Thomas Alva Edison é um bom exemplo do que quero falar. Ele fracassou mais do que qualquer outro, mas persistiu, sempre fazendo o que acreditava ser o certo. Nem sempre foi incentivado, muitas vezes foi criticado e até tido como louco. Mas o quanto que estes seres – os que mergulham em um ideal – não andam no tênue fio que separa o apolíneo do dionisíaco.
Friedrich Nietzsche ao utilizar-se do primitivo espírito grego, reconheceu no devir, na cinemática dos objetos, a essência de um fato; Criticava a opção da filosofia grega ou por Apolo ou por Dionísio. Ele via o universo em um jogo constante, alternando seu destino entre estas duas forças. Ele via o pathos trágico se nutrindo do saber de que tudo é uno. A vida e a morte seriam lados de uma mesma moeda. A vitória e o fracasso apenas dois caminhos possíveis de um mesmo destino. No pathos trágico, Apolo e Dionísio são idênticos. Unos.
A verdadeira dimensão da realidade está num recriar, numa renovação constante; E nisto Thomas Edison foi genial, ainda que instintivamente, sabia que na balança da vida, há um permanente equilibrar-se destas duas forças, e que deste equilíbrio, sempre resultariam novos valores, ideias e possibilidades, variando conforme a diversificação e a intensidade de suas forças. Sendo assim vencer ou perder não é o mais importante ou o que faça a diferença, o que importa é a introdução, em cada ato, de mais acréscimos de força, mais movimentação, mais criatividade, pois é a vontade da potência que dará ao homem o sentido ativo da arte e a vontade de prosseguir. Em seu ideal, cada fracasso em criar a lâmpada elétrica, era apenas uma nova maneira de não se fazer a lâmpada.
Sendo assim haverá vitórias que serão boas e outras que corromperão; derrotas que arruinarão e outras que despertarão o ser. Alguém disse que na vida, não existem soluções. O que existem, são forças em marcha. E é preciso criá-las e, então, a elas, seguir-se-ão as soluções. Desta ótica ser vencedor ou derrotado não importa mais, se houver equilíbrio entre a inspiração dionisíaca e o empenho e o método apolíneo, haverá sucesso.
Termino voltando a Fernando Pessoa e me perguntando: “Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?”.